Soja

A Superintendência-Geral do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) decidiu suspender nesta segunda-feira (18) à noite, por medida preventiva, os efeitos do acordo conhecido como "moratória da soja".

O órgão antitruste também resolveu instaurar um processo administrativo contra empresas e associações signatárias do acordo, que foi firmado há quase duas décadas e tem dividido o agronegócio.

A moratória da soja é um acordo privado entre grandes tradings e exportadoras que impede a comercialização do grão produzido em área desmatada da Amazônia Legal depois de 2008, mesmo que o corte de vegetação tenha ocorrido obedecendo às leis.

De um lado, as tradings argumentam que a moratória foi responsável por frear o desmatamento em período crítico. Alegam ainda que sua vigência é importante para demonstrar compromisso com práticas ambientais sustentáveis e veem risco à imagem do Brasil no exterior.

Já os produtores de soja criticam o acordo por entenderem que ela é uma conduta anticoncorrencial e se assemelha a um cartel. Também apontam que a moratória é interfere na livre iniciativa dos agricultores que abriram novas áreas, com autorização legal, depois de 2008.

Anos mais tarde, o Código Florestal passou a determinar que 80% das áreas rurais devem ser preservadas - permitindo o desmate legal de 20% das propriedades rurais. A moratória, no entanto, continuava sendo aplicada.

A investigação do Cade teve início a partir de uma representação encaminhada pela Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados.

Conforme apuração da Superintendência-Geral, empresas privadas concorrentes criaram o chamado Grupo de Trabalho da Soja, com a finalidade de monitorar o mercado e viabilizar um acordo que estabelecesse condições para a compra da commodity no país.

Para o órgão antitruste, esse acordo é anticompetitivo e prejudica as exportações do grão.

"Diante desse cenário, foi adotada medida preventiva, determinando que o Grupo de Trabalho da Soja se abstenha de coletar, armazenar, compartilhar ou disseminar informações comerciais referentes à venda, produção ou aquisição de soja, bem como que se abstenha de contratar processos de auditoria", informou o Cade, em nota.

"Seus membros devem também se abster de compartilhar relatórios, listas e documentos que instrumentalizem o acordo, bem como retirar a divulgação de documentos relacionados à moratória de seus sítios eletrônicos", acrescenta.

A medida preventiva é um instrumento adotado quando há indício ou receio de que condutas investigadas possam causar lesão irreparável ou de difícil reparação ao mercado, tornando ineficaz o resultado final do processo.

As partes representadas no processo administrativo foram intimadas a apresentar defesa.

Ao final da instrução, a Superintendência-Geral emitirá um parecer conclusivo e encaminhará o caso ao tribunal do Cade.

Existe ainda a possibilidade de ser fixado um acordo determinado TCC (Termo de Cessação de Conduta) entre o Cade e as partes.

Caso sejam condenadas, as associações poderão pagar multas que variam de R$ 50 mil a R$ 2 bilhões; para as empresas, as multas variam entre 0,1% a 20% do valor do faturamento bruto da empresa no último exercício anterior à instauração do processo administrativo.

A Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), a Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais) e 30 empresas de exportação - conhecidas como tradings - serão afetadas pela suspensão.

Entre esses grupos estão gigantes como ADM, Bunge, Caramuru, Cargill, Louis Dreyfus e Maggi.

Repercussão

A Aprosoja-MT (Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso) celebrou a decisão.

"Trata-se de um marco histórico na defesa da livre concorrência e da produção legal no campo, que devolve segurança jurídica e dignidade aos milhares de produtores que sempre atuaram em conformidade com o Código Florestal e as leis ambientais brasileiras", disse a entidade, em nota.

Segundo a Aprosoja-MT, o acordo impunha barreiras comerciais "injustas" e impedia a comercialização de safras cultivadas em áreas regulares, afetando principalmente pequenos e médios produtores rurais.

Há anos, um acordo privado, sem respaldo legal, vinha impondo barreiras comerciais injustas aos produtores, sobretudo os pequenos e médios, impedindo a comercialização de safras cultivadas em áreas regulares e licenciadas.

Ao reconhecer os indícios de cartel e as distorções geradas por esse mecanismo, o Cade cumpre seu papel institucional de combater práticas anticoncorrenciais e preservar o ambiente de mercado justo e competitivo.

A entidade afirma que "seguirá vigilante e atuante para garantir que produtores que respeitam a lei também tenham o direito de produzir, prosperar e contribuir com o desenvolvimento do país".

Já a Abiove manifestou "surpresa" com a decisão do Cade e ressaltou que a moratória da soja, além de envolver tradings, tinha o aval do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) - além de ser reconhecida pela AGU (Advocacia-Geral da União).

"A entidade reitera seu compromisso com a legalidade e informa que tomará as medidas cabíveis de defesa, além de colaborar de forma plena e transparente com as autoridades competentes, prestando todos os esclarecimentos necessários para o devido andamento do processo", disse em nota.

A Abiove acrescentou que "seguirá acompanhando atentamente os desdobramentos do caso" manterá postura de "diálogo construtivo e respeito às normas vigentes".

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